Tuesday, December 25, 2007

Ceia de Natal

"Faz-me um favor: traz os sonhos que ficaram em cima da mesa da cozinha."

Monday, December 24, 2007

O obscurantismo não é uma cor.

Thursday, December 20, 2007

Acordei durante a noite com um ruído quase imperceptível. Deixei-me ficar quieto e calado até que o ruído se repetiu. Era uma fungadela. Assim mesmo. Era acompanhada pelo som de um ininterrupto lamento, um imparável pranto sussurrado.
Afastei os lençóis. Lá estavam eles. Encolhidos, os mindínhos dos meus pés choravam, cada um para seu lado, mas com gestos que só podiam indicar uma mesma mágoa.
Os meus mindínhos amam-se.

"Fracturas múltiplas, lesões internas que resultaram em morte."
Perante o corpo deitado nas rochas, com os membros desfeitos como se tivessem numerosas articulações, a causa parecia clara: suicidio.

A tese do acidente viria no entanto a ganhar consistência quando se procedeu ao levantamento dos haveres pessoais da vitima. No bolso alguém encontrou um papel com uma mensagem simples: "caí".

Foi um jovem inspector que se apercebeu do facto que levaria à comprovação do homicidio: como poderia um homem morto na sequência de uma queda descrever as circunstâncias da sua própria morte no pretérito? Teria sido o verdadeiro culpado a escrever e a deixar o pequeno bilhete no bolso da vitima; ou pior: teria, com macabra frieza, coagido a vitima a escrever ela mesma o bilhete para depois a assassinar.

No dia seguinte alguém era preso.
Ironia ou uma última nota de humor nunca foram hipóteses.

Pequenos excertos de velhas em cafés.

As duas mesas serviam para cinco pessoas. Nenhuma delas estava sentada à cabeceira mas havia uma harmoniosa distribuição do espaço. Talvez por estarem na corrente de ar de uma tarde que estava fria.
A média de idades à mesa rondava os 65/70 anos. Ninguém parecia usar a sua côr natural de cabelo.
Eles liam "A Bola" e o "24 horas", absolutamente silenciosos e imóveis.
Elas conversavam entre si, tão alheias a tudo o resto quanto eles.

Dizia uma delas que agora a calista lhe tinha descoberto uma coisa qualquer nos dedos. Outra respondeu muito depressa e de forma segura:
- Isso são micoses!
- Pois são micoses, pois - confirmou a primeira. - A minha calista diz que passa. Põe-me os dedos em parafina e diz que vai passar.
A outra replicou prontamente:
- A mim, a médica disse para eu pôr creme gordo.
- Deve ser Barral, com certeza.
- É Barral, é. - responde com jeitos de "Claro que é Chanel".
Nisto a silenciosa decide intervir com uma altissima voz com um timbre cheio de idade:
- Mas isso é para quê, mesmo?
- Prás micoses, Maria!
- Para o quê?.. - volta a perguntar. Percebo que finalmente descobri uma entidade essencial nos grupos de velhas: a surda.
- PRÁS MICOSES MARIA!! A TERESA TÁ COM MICOSES NOS DEDOS DOS PÉS!!
- Ah...

Nem "A Bola" nem o "24 horas" se mexeram. A conversa seguiu.
A sociedade portuguesa está-se a tornar incrivelmente despudorada. As velhas derrubaram as micoses, o último bastião da intimidade.
____________________________________________________________________

Uma senhora conversa ao balcão com o dono do café: "vai chover, não vai", "como é que está o seu mais novo, o meu casou-se"...
Sentada a uma mesa junto à enorme janela gradeada pelo lado de fora, uma outra mulher toma o seu café da tarde. De súbito detem-se e observa a que está a conversar ao balcão. É nitido que faz uso de toda a educação assimilada ao longo das suas várias décadas quando pergunta num tom cortês mas suave:
- A senhora desculpe eu interromper... - começa pausadamente. - Mas a senhora não é de Évora?
A outra retribui-lhe a delicadeza com um meio-sorriso irrepreensivel:
- Sou sim. Mas já saí de lá tinha eu quinze anos, já lá vão mais de quarenta anos - permite-se a inconfidência com a leveza de quem convenientemente se esquece de como se fazem contas.
- Pois. Agora estava a olhar para a sua cara e estava a pensar "parece-me que conheço aquela cara de algum lado". - prossegue a senhora sentada à mesa. - Isso foi mais ou menos quando eu também saí de lá.
A conversa cai num silêncio simultâneo. Ao balcão reata-se a conversa com o patrão enquanto à mesa se retoma a leitura do jornal.
Duas pessoas nascidas no mesmo sitio, que se entreolharam durante quarenta anos, demoraram apenas 20 segundos para descobrir que não tinham absolutamente nada em comum.

E fizeram-no de ânimo leve.

Tuesday, December 18, 2007

Romanização

Sic transit

Glória Mundi

Friday, December 14, 2007

"Ich bin ein berlina."

Thursday, December 13, 2007

Colossal Miocárdio.




Pára o carro na berma da estrada. Está no meio de uma enorme planície árida, a perder de vista.
Sai do carro e abre a bagageira. Do interior tira uma pá.

Algures do outro lado do mundo, estão duas crianças deitadas como sobrancelhas no chão.

Afasta-se, deixando a bagageira aberta. Até sair verdadeiramente da estrada tem de descer da berma até ao campo. Caminha durante alguns metros e olha em volta. Sente o chão mais macio e quente naquele local, e começa a escavar.

Ninguém deixa os ouvidos cair ao Mar.

Não sente nada de diferente na pá, mas a dada altura sabe que chegou. Continua a escavar, agora em volta. No meio do buraco está um enorme coração, gigantesco mas leve como uma pena. Pega no coração gigante com os dois braços e sem qualquer esforço leva-o para fora do buraco.

As duas crianças rebolam sorridentes para o mesmo lado. Entram nas covas de dois olhos abertos. Continuam a rebolar como numa brincadeira e fecham assim os olhos que não se voltam a abrir.

Põe o coração na bagageira. Escolheu bem o carro, tem as dimensões exactas para transportar o colossal miocárdio. Fecha a porta da mala e descobre que se esqueceu de guardar a pá. De qualquer maneira já não há espaço para ela lá dentro, terá de viajar no banco de trás.

Agora as mãos.

Tuesday, December 11, 2007

Perfume II









Em resposta a "Perfume" em http://www.kitcowboy.blogspot.com/

Wednesday, December 5, 2007

A viagem

Ela chamava-se Iris, dele não me lembro do nome.
Iris era muito bonita, tinha um verde que pousava em tudo o que a atraía. Estava sempre a observar, parecia ter curiosidade por tudo e estava permanentemente atenta ao que se passava à sua volta.
Ele era mais escuro, de um negro profundo. Falava mais do que ela, mas tinha menos calor no que dizia. Era no entanto de trato fácil. Quando falava olhava directamente para o interlocutor com um olhar que trespassava. Parecia estar sempre a colocar silenciosamente uma mesma questão esperando que a adivinhássemos.
Durante o tempo que estive com eles, ninguém tentou adivinhar que pergunta seria. Eu também não.
Iris e Ele formavam um casal um pouco estranho, na verdade: cada um sempre nos seus longos silêncios, trocando um olhar significativamente sorridente de vez em quando. Tinham uma curiosidade devoradora por cada rua pela qual passavamos. Nenhum deles conhecia a cidade.
Mostrei-lhes todos os pontos turisticos habituais, os monumentos, os jardins. podia ter-lhes mostrado mais, mas não aguentava os constantes olhares de toda a gente à nossa volta.
Mantive sempre a calma. Da primeira vez que me preparava para gritar com uma mulherzinha que ria e apontava para eles parei para pensar: a verdade é que eu também nunca tinha visto.
Iris sorria com o seu verde e dizia-me:
- Não te rales... eles olham porque nunca antes tinham usado os deles.

Iris e Ele eram ambos globos óculares. Olhos.

Nunca os vi piscar, a nenhum deles. Mas de cada vez que passávamos por uma fonte tinhamos de parar para que se refrescassem um pouco.
Ele chamava a Iris "minha córneazinha"; Iris tratava-o simplesmente pelo nome, o mesmo de que agora não me lembro.

Quando mais tarde nos despedimos, e eles seguiram viagem, agradeceram e enalteceram o meu desempenho como cícerone. Tinham aprendido muito sobre o país, as pessoas, a história, tudo o que era identidade cultural. Agradeci-lhes e fiquei a ver o comboio partir, levando-os para outras paragens, provavelmente com a janela do compartimento fechada, porque nenhum deles gostava de vento.

Lembrei-me para comigo do que tinha aprendido com eles: um idioma diferente, uma forma nova de observar o mundo. Mas tinha sido ao vê-los à mesa na nossa primeira refeição que mais sorrí durante esses dias. Eu que sempre tinha sido um céptico em relação a isso, pude ver que afinal é mesmo verdade:

Os olhos também comem.

Sunday, December 2, 2007

Em negação

Ele foi Usado como Novo
Mas afinal já não era novo,
Era usado.
Eventualmente avariou-se.

Afta

Saturday, December 1, 2007

Água suja

3. Amargo

A porta da sala está sempre fechada, como as restantes portas da casa. Lá dentro, todos os móveis estão cobertos por enormes lençóis brancos que os protegem do pó e dos olhares de ninguém. É também a única divisão que recebe a luz do Sol.
É no quarto que passa mais tempo: uma cama, uma pequena secretária, um baú escuro.
O resto da casa é um enorme corredor desigual, com portas de madeira num dos lados apenas.
É uma casa feita de arrecadações.
Nos raros dias em que recebe uma pessoa, tira os lençóis dos móveis e estes mostram-se no esplendor imaculado das coisas escondidas que ninguém usa. Respiram fundo e aguçam o ouvido, ansiando pelo fim do silêncio entre as paredes sempre caladas.
Entre as duas pessoas trocam-se palavras, histórias. Ele tem um fascínio pelas histórias dos outros, coloca os cotovelos na mesa, deixa os dedos das mãos abraçarem-se, apoia o queixo nos polegares e fica assim a ouvir.
A um jantar segue-se outro, e outro. As histórias começam a repetir-se até o seu silêncio se tornar pesado, contagiante, inevitável para o convidado.
O dia chega em que os móveis são novamente cobertos com o lençol branco e começam a sussurrar todas as histórias que ouviram para delas não se esquecerem durante o silêncio. Nunca choram quando sussurrar não resulta.
Às vezes ele interroga-se sobre o seu enorme corredor. Constrói-o na sua semi-consciência, talvez com os olhos brilhantes, ou revirados ou simplesmente fechados. Sempre no dia seguinte ao último jantar a dois. Dois metros e uma porta de cada vez.
De tempos em tempos, abre uma porta. Encontra uma pessoa com várias caras mas sempre um rosto inexpressivo, indiferente. É um corpo de pé, de olhos fixos na porta. Ambos trocam sorrisos e recordam os jantares que partilharam.
É ele que fala, quem ouve sorrí e deixa os dedos das mãos abraçarem-se.

Tuesday, November 27, 2007

Depressa,


antes que seja tarde demais.

A borboleta bíblica.

Judas não se enforcou numa figueira por arrependimento ou tristeza...
Judas enforcou-se pois sonhava reencarnar num bonito figo.

Monday, November 26, 2007








Há já quatro dias que a luz da cozinha está a tentar comunicar...

Wednesday, November 21, 2007

Raiva

Claro que me lembro.

Sentia-me um bocado indisposto nesse dia: tonturas, frases soltas, silêncios enormes.
Calhou ser à tua frente que a coisa atingiu o auge.
Disseste-me uma banalidade qualquer, daquelas às quais eu normalmente encolho os ombros e respondo com um desprezo ácido que à primeira vista parece uma ignorância desleixada, ou pura e simplesmente a denúncia de uma personalidade passiva e pouco dada a tomadas de posição.

Por mim teria sido essa a resposta que levarias.

Mal abri a boca para soltar a costumeira exclamação insipida ou o murmúrio de solidariedade de quem realmente não se quer comprometer, senti algo diferente em mim.
Algo me trepava e corroía as entranhas, uma qualquer coisa sem sabor.

A espuma saiu-me da boca em jorros espessos. Por um segundo achei que bastaria um lencinho qualquer, mas desisti logo da ideia. Longe de me preencher apenas a boca e o queixo, escorreu e alastrou-se até aos braços.

Senti-a penetrar-me nos membros através da pele, da carne, e agarrar-me os ossos. Nesse momento a torrente parou, e lembro-me que o último bocado tinha um travo a livros velhos daqueles que se guardam, esquecem e se ignoram nas prateleiras durante muitos anos.

Não me lembro que cara fizeste quando os meus braços se mexeram sem eu os mandar. Apesar de não a ver, sei que eu não fiz cara nenhuma.
Agarrei-te o pescoço e comecei a apertar. Não te li os olhos, não te senti debateres-te de pânico, não te ouvi um grito sequer. Talvez um vago gemido qualquer de piedade.

Ou então sou só eu a romantizar a coisa.

Senti o teu pescoço emagrecer entre as palmas das minhas mãos. Os meus dedos riam um riso que eu nunca antes lhes tinha ouvido.
Vi-te ficar de todas as côres e aí sim, fiquei pasmado, porque não sabia que uma cara humana podia passar por tantas côres. Vi que os teus olhos tentavam sair da tua cara, como os ratos fogem de uma mina antes de um terramoto, ou pessoas saltam de um prédio condenado.

Os meus dedos ouviram o som de algo a partir-se entre eles. A tua boca também emitiu qualquer coisa, mas não consigo definir o que foi ao certo.

Inerte o teu pescoço fica mais pesado.

Rodei a mão direita, até ficar lado a lado com a esquerda.
Voltei a apertar. Uma das mãos não podia apertar inteira, por isso usei-lhe apenas o polegar e o indicador. Primeiro tentei separar, mas não gostei da sensação.
Rodei as mãos em sentidos opostos, e consegui finalmente rasgar-te um pouco da pele. Finalmente conseguia conhecer-te o interior. Devo dizer-te que não era tão bonito quanto eu pensava. A carne revelou-se muito menos complexa do que uma alma humana imaginada.

Depois, dobrei-te o pescoço, como se fazia na primária com os lápis que partiamos só porque sim. Porque em criança é bom sentirmos que ganhamos força para partir qualquer coisa.

Mas há algo que te quero confessar:
Mesmo antes de ligar a pedir ajuda, abracei-te. Não foram os meus braços que me forçaram, nem a espuma. Apeteceu-me apenas abraçar-te, porque tu nunca me deixas abraçar-te.

Tudo o resto juro-te que foi sem querer.

Silêncio

Não peças licença ao ar que cortas,
que já o levas embalado

Tuesday, November 20, 2007

Cheiro a chuva

"Bomba! - gritou uma voz de chuva.
Então, num único movimento, todas as folhas se atiraram para o chão.
__________________________________________________________

A senhora entrou quieta no quarto onde já se encontrava.
Preparou-se para dormir, mas não se deitou. Uma senhora nunca se deita.
Ficou de pé, porque é uma senhora.
Devagar, debaixo dos seus lençóis cinzentos de Inverno, adormeceu.
As árvores também hibernam.

Friday, November 16, 2007

Tuesday, November 13, 2007

Hoje sonhei.

Hoje sonhei que havia um escorrega novo ao pé da minha casa. No alto do parque, por entre os pinheiros que fazem com que aquele parque seja igual todo o ano, lá estava ele.
Sempre gostei de escorregas. Uma das piores coisas em se ser adulto é já não se poder andar de escorrega sem pagar para ir a um parque aquático. E nem sequer é bem a mesma coisa...

Tinham portanto feito um escorrega novo no parque. Era na realidade um escorrega duplo, muito parecido com o que havia n'O Século: um amarelo e um vermelho, com dois saltos pelo meio.

Aproximei-me. O pessoal subiu e eu fiquei cá em baixo, à espera de ver se aquilo aguentava com adultos. Aguentou.

Por esta altura o escorrega duplo já era apenas um único, o amarelo.

Enchi-me de coragem e preparei-me para descer aquele monstro altissimo. O escorrega tinha de facto crescido, baseava-se agora num enorme edificio, esguio mas muito alto. As paredes eram brancas, as portas e as janelas eram azuis. Subi umas escadas castanhas escuras, com degraus de escadas normais.

Neste momento o escorrega já não era um escorrega, na verdade, era mais um prédio onde eu sabia que tinha de entrar para ir para o escorrega.

No alto das escadas cheguei a uma porta e entrei. O ambiente era o de umas piscinas públicas, ecos e mais ecos e vozes.

Estava lá um senhor que não me disse uma palavra. Como que em resposta a este silêncio, chegou um amigo meu da primária que me disse: "tens de ir buscar a chave."

Dirigi-me para um quadro electrico onde, carregando na parte de cima se dava acesso a um chaveiro. Não estava lá a chave. O meu amigo deu-me a chave não sei como.

Era o momento da verdade. Aproximei-me completamente sozinho da porta que eu sabia ia dar ao escorrega. Imaginei como devia ser alto, mas estava cheio de vontade de descer aquilo.

Não me lembro de como era a imagem quando passei a porta. Lembro-me que vi as coisas de fora: estava no alto de um escorrega amarelo gigante, e havia muito vento. Lembro-me que tive medo mas escorreguei por ali abaixo e foi brutal.

Nessa altura acho que acordei na realidade. Voltei a pegar no sono.

Vi uma grelha de partida de um Grande Prémio. Começavam a dar pelos últimos lugares, e eram só velhotas: lembro-me que a última tinha o tempo de 55".

Pensei "Não sabia que havia tempos. Se soubesse tinha descido mais depressa."

Os tempos continuavam a passar, e as pessoas iam mudando à medida que se avançava mais na grelha: as velhotas davam lugar a pessoal mais novo, gajos com tempos de 18".

Depois acordei. Não sei que tempo fiz.

Monday, November 12, 2007

cabeceira

Nunca percas o teu copo de água,
Eu sei que é nele que guardas os teus sonhos.

Eu tenho macaquinhos no sotão...

...e são suecos.



"Se x macacos carregarem aleatoriamente nas teclas de máquinas de escrever, eventualmente hão-de escrever uma obra completa de Shakespeare, mesmo que isso demore milhões de anos."

Felizmente alguém os parou a tempo.
E assim se descobriu que os macacos, em vez de Shakespeare, tinham feito isto:



The Knife - We share our Mother's health.

Saturday, November 10, 2007

Registo

Saturday, November 3, 2007

Num Mundo sem água, as artes do Mar vão sobreviver nos nós das gravatas.

Friday, November 2, 2007

440

Injectaram-me um grito mudo na boca.

E agora?
Quem é que o grita por mim?




Monday, October 29, 2007

O Absolutismo - uma justificação matemática.

Um zero à esquerda é sinal de um valor abaixo da unidade. À esquerda do quê? Da virgula, pressupõe-se.

Ou seja:

0, <-------- Zero à Esquerda

Pode-se pôr os algarismos que se quiser à direita da vírgula, mas se há um Zero à Esquerda, então o valor será sempre baixo.

Dir-se-á: "E se houver algarismos à esquerda do Zero à Esquerda?"

185730, <---------------- algarismos à esquerda do Zero à Esquerda.

Como se vê pela representação, não se trata já de um Zero à Esquerda, mas sim de um Zero ao Centro-Esquerda. Se por um lado confere valor, menos verdade não é que quem está realmente à Esquerda são os restantes algarismos, e estando nas unidades, qual será o seu real valor face aos elementos mais à Esquerda? Encontra-se dependente deles para ter um verdadeiro peso. A coisa vale pelo conjunto.

Zero ao Centro:

0
,

É na realidade um Zero. Há também uma virgula. Mas um Zero ao Centro é um Zero. Uma nulidade.

Um Zero à Direita, por seu turno, é na realidade um elemento redundante:

,0 <------------- Zero á direita.

Mesmo com o apoio dos seus pares à Esquerda, pouco ou nada contribui para a definição do valor do conjunto:

57239,0 <------------------ Zero à Direita.

O Zero ao Centro-Direita tem já algum peso para o número em si:

x,01 <--------------------- Zero ao Centro-Direita

Quantos mais Zeros ao Centro-Direita, menor será o valor dos elementos à Extrema-Direita.

x,01 > x,009 <------------ Diferentes valores para diferentes números com Zero ao Centro-Direita.

Tendo já adquirido a fundamentação teórica para os diferentes posicionamentos de Zero num eixo X, trazemos agora à consideração um eixo Y, num referencial (X,Y), em que:

Y
^
|
|
|
|--------------------> X
,

Assim, surgem novas possibilidades, de entre as quais nos debruçamos agora sobre uma em particular:

Y
^
|
| 0
| 1
|--------------------> X
,

Ou seja:

X1 < X0 ^ [e] Y1 < Y0

Estamos assim perante o Zero Acima.

Esta situação é também vulgarmente representada sem o recurso ao eixo, no que chamamos uma "potência".

10 <------------------ 1 à potência de Zero (ou 1 sob Zero Acima)

As leis vigentes da Política, e os mais recentes estudos feitos pela massa critica do Povo e alguns intelectuais, permitem-nos considerar verdadeira uma premissa nascida nos meios académicos mais prestigiados e que é hoje corrente entre todos os sectores da sociedade:

"Para o Governo, todos somos apenas números."

Posto isto:

As leis da Matemática dizem-nos que "qualquer número elevado à potência de Zero é igual à unidade". Ou seja, qualquer número sob a influência do Zero-Acima, independentemente do seu valor original, assume o valor da unidade.

89^0 = 1
194525,385 ^0 = 1

Assim, consideremos os índices de satisfação por quadrantes:

Em Y é conseguida a satisfação: o Zero encontra-se acima dos seus pares, exerce o seu poder e consegue assim prazer hedonista.

Em X:

Para Zero à Esquerda e Zero ao Centro-Esquerda: Satisfação conseguida. Todos os algarismos se tornam iguais sob a influência de um elemento comum. A teoria reforça esta ideia.

Para Zero ao Centro: Continua ao Centro. Não perde a sua qualidade de Centro e assim todos os restantes elementos lhe são ainda periféricos. No entanto, continua a ser uma Nulidade, e a consciência da sua natureza de elemento nulo deprime-o e remete-o a um silêncio orgulhoso.

Para Zero à Direita e Zero ao Centro-Direita: Posto que X1 < X0 ^ [e] Y1 < Y0 torna-se claro que o posicionamento de Zero-Acima é no fundo no fundo, à Direita, o que pode ser reforçado pela análise do esquema gráfico apresentado anteriormente. Assim, a satisfação é conseguida pela clara identificação de Zero-Acima como um dos pares de Zero à Direita e Zero ao Centro-Direita.

Exercendo o seu poder de forma igualitária perante todo e qualquer número, a partir do seu plano superior, é o Zero Acima o verdadeiro elemento unificador de todos os números, e por conseguinte, da Sociedade, considerando a premissa supracitada.

Para o menino Eolo...

...uma salva de palmas!


ÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Thursday, October 25, 2007

O mê mai novo



Tuesday, October 23, 2007

Aproximação ao Mar.

Hoje vi o tempo a passar: as gaivotas ficam cinzentas ao ritmo do fumo dos carros.

Moral da história.

Saiu de casa bem cedo como era seu costume. As ruas praticamente ainda vazias de gente. Na paragem do autocarro, lá estava ele, mostrando que aquele era um dia igual aos outros. Todos os dias via aquele homem ali, com o seu casaco demasiado grande, a camisa desajeitadamente vestida. Por uma vez, naquela manhã, decidiu falar-lhe:


- O senhor desculpe... mas para onde vai todas as manhãs que vou no autocarro até ao fim e nunca o vejo sair em lado nenhum?
O outro fez-lhe um ligeiro cumprimento com a cabeça e respondeu em voz calma:
- E quem lhe disse que o fim é exactamente onde sai? Julga-se importante a esse ponto?
- Mas repare... - preparou-se para argumentar com a mesma calma - eu saio na paragem indicada como o destino final para esta carreira.
- Sabe que... bem, eu permito-me a liberdade de não me render a um nome na frente de um veículo. É por isso que apanho o autocarro e não o eléctrico.
- Mas aqui não há eléctricos...
- Pois não.
Respirou fundo... se calhar era exactamente o tipo de conversa que esperava.
- Ouça... acho que não gosto da sua atitude. - disse-lhe, depois de uma pausa.
- Nem eu da sua. - respondeu o outro, prontamente.
- E no entanto sempre conseguimos partilhar o autocarro, a paragem.
- O silêncio pode mais do que se julga, meu caro amigo.
- Bem, será então melhor calar-me.
- Permita-me dizer-lhe que, caso não saiba, o silêncio é como qualquer outro bem precioso: uma vez quebrado, o seu valor cai abruptamente. O seu novo silêncio, esse que oferece, lamento dizer-lhe, já não compra uma coexistência pacifica.
Quis resolver o assunto. Uma última questão:
- Diga-me para onde vai, por favor. Satisfaça-me a curiosidade.
- E se lhe disser que acompanho a carreira até voltar precisamente aqui?
- Estaria no seu direito.
- Não fujo aos meus direitos. - sorriu o outro.
- É isso então que faz? Volta para aqui?
- Eu não disse isso...
O jeito arrogante e teatral daquele homenzinho tinha-lhe ganho finalmente. Agarrou-o pelo casaco, mas sentiu algo estranho.
- Este casaco... quem o fez assim?
- Assim como, caro senhor? - sorriram novamente os olhos brilhantes.
- Assim, largo...
- Acha mesmo que as suas mãos são assim tão diferentes das dos outros? São aliás muito parecidas, a quem as vê como eu, a quem as sente como o meu casaco, caro senhor.
- Não me chame isso. Parece um insulto na sua boca.
- Não se dá bem com insultos?
Fartou-se. Ergueu um punho direito à cara do homem, mas deteve-se no último momento.
- Escute, não me bata. - disse o homem ridiculo. - Sou frágil e quebro.
- Lamento, mas apetece-me quebrá-lo.
- Quebrado não lhe sirvo. Partido ainda menos.
- Não estou a perceber...
- Quer viver comigo? - perguntou o outro.
- Quanto tempo?
- Sete anos.
- E depois vai-se embora?
- Tem a minha palavra.
- Ok. Sete anos. Mas tente ficar calado. - concordou finalmente.
- Muito bem. - disse o outro, fechando os olhos.
O vidro partiu-se, a mão cuspiu o seu sangue de dentro para fora.
Olhou para os pontos brilhantes que se espalhavam agora no chão.
"Sete anos é muito tempo" pensou. "Porque é que ele tinha de vir numa caixa tão fácil de abrir?"

Saturday, October 20, 2007

Limpeza

"...os esqueletos que vocês têm confortavelmente guardados nos armários ainda hão-de entupir os esgotos da vossa linda cidade."

Sabão

Call Center.

"«Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta. Como é que eu vou lidar com isso? Não sei. Como vou controlar isto? Não sei. Penso que tenho um telefone sob escuta. Às vezes, faz uns barulhos esquisitos», afirmou Pinto Monteiro."

O que o Procurador-Geral da Républica omitiu ao Semanário Sol foi a forma como descobriu estes "barulhos esquisitos". Ao que parece, recebeu na tarde de ontem um telefonema da parte do Apoio ao Cliente do SIS, dando-lhe conta destas anomalias. O responsável pelo acompanhamento permanente e personalizado deste telefone, um sargento anónimo, aproveitou para informar o alto dignatário de que "será enviado um técnico durante a tarde de Domingo para proceder aos ajustes necessários no aparelho, ou à substituição do mesmo, em caso de necessidade".

Thursday, October 18, 2007

A máquina.

O dia chegará, em que uma pessoa que perca um botão, perderá também uma faculdade motora qualquer.
Por exemplo: se cair um botão do casaco à senhora X, ela será incapaz de bater palmas até chegar a casa e o coser novamente.

Podia ser verdade.

Na sua versão original, a letra do "Atirei o pau ao gato" não previa a repetição da última sílaba de alguns versos ("atirei o pau ao gato-to, mas o gato-to, não morreu-eu-eu..").
Esta repetição, que toda a gente faz como se estivesse na letra, explica-se por um motivo muito simples:

A primeira gravação desta música popular, foi feita em directo para um programa de rádio nos anos '30, por um grupo de cantares de uma pequena aldeia da Beira Alta. A performance teve lugar no salão de festas da aldeia, onde as condições acústicas não eram as ideais. Daí resultou um eco nalgumas partes da canção.

Assim, o "Atirei o pau ao gato" que todos cantamos hoje, mais não é do que o resultado de um erro de captação.

Só para acabar com o assunto...

E na última página, lá estava ele,

"Your moment of Zen..."


Wednesday, October 17, 2007

Viagem a 1969.

Sempre tive uma relação dificil com o Tintim. O homem sempre me pareceu digno de embirração. Aquele ar de gajo que é incapaz de pedir sequer um copo-de-água ao balcão, e que fica com os créditos todos por resolver "mistérios" de forma invariavelmente fortuíta. Pelo meio costuma haver uma situação potencialmente mortal para ele, em que é salvo por Milou, o cão que toda a gente acha que é uma cadela, e se calhar têm razão.

Ok, talvez as coisas não sejam exactamente assim. Mas eu disse que embirrava com o Tintim.

No entanto, se o vir na rua, até lhe dou uma palmadinha nas costas.


Nos anos '60 e '70 publicou-se em Portugal a Revista Tintim. "A revista dos jovens dos 7 aos 77 anos", juntava algumas histórias de BD de vários autores, à razão de duas páginas por semana para cada história.



Este é o número 19, de 4 de Outubro de 1969, e custava na altura 5$00. Está já devidamente assassinado a golpes de caneta, naturalmente. Incluia os seguintes:
"Strapontam contra Aranhex", "Astérix - O Combate dos Chefes","Taka Takata" ,"O Incrível Désiré","Achille Talon","Cubitus","Lucky Luke - Pedro Cucaracha e os Pés-Azuis","Michel Vaillant - Rallye em Portugal" e (claro) "Tintim no Tibet".






Para além das histórias (e isto é que interessa) havia também passatempos e uma parte de correio do leitor intitulada "Tu escreves... Tintim responde."


O que realmente me cativa aqui é a inocência transbordante. Talvez ainda fruto do lápis-azul, as cartas parecem todas escritas por miúdos de calções amarelos e joelhos esfolados. Por exemplo, o trecho transcrito agradece o osso (!!) que o leitor enviou ao Milou... numa carta mais adiante, responde-se a um Zeca e termina-se assim: "como são vários os Zecas que me têm escrito ultimamente, referencio que neste caso, trata-se do morador da Rua Visconde de Santarém" - hoje em dia já ninguém se pode chamar Zeca e dizer onde mora; e há quarenta anos atrás já havia o problema das traduções, com um autodenominado "Tintinzão de 30 anos" (mais parece nick do MIRC) a queixar-se da diferença entre o título em Português da história do Lucky Luke e o título original "Alerte aux Pieds bleus".
A personagem Tintim responde na primeira pessoa, o que até funciona bem. Lembro-me que em miúdo acreditava que era realmente o Tintim a responder às coisas, e que interpretava o desenho mais como uma fotografia do que outra coisa ("que giro... o cão lambe cartas").

A estreia de uma nova BD na revista - "Os Franval - Caçadores sem armas" merecia também destaque. Os primeiros esboços de uma consciência ecológica surgiam com a história de uma família que luta em África para acabar com a caça. Pelo meio há o cenário do Pós-II Guerra Mundial e os necessários Alemães como maus-da-fita, nesta fase da história ainda escondidos.

Mas isto levanta-me uma questão: passam a história toda a mandar vir com os Alemães, com o mito da raça ariana, etc... mas depois as crianças da familia são todas loirinhas de olhos azuis.


E já agora... tem um belo chapéu Sr. Franval. Essa pele de leopardo realça-lhe os olhos e os seus ideais ecológicos.

Monday, October 15, 2007

Facto e questão.

Facto:
As retrosarias são estabelecimentos frequentados na sua larga maioría por pessoas de idade.

O que me leva a perguntar: se as retrosarias são frequentadas por pessoas de idade, afinal o nome faz mais sentido relativamente aos produtos que se vendem lá, ou às pessoas que os compram?

Sunday, October 14, 2007

Trabalho.

Tinha sido o primo a aconselhar-lhe aquele trabalho. Um amigo também o tinha feito e até o meteram logo na Alemanha. A coisa fôra de tal maneira que nunca mais ninguém lhe tinha posto a vista em cima. Mais tarde o supervisor diria que o tinha visto com uma alemã loura a desaparecer numa carrinha descapotável.
Assim disseram ao primo. Assim o primo lhe disse a ele. Por isso candidatou-se.
Desconfiou quando o aceitaram logo:
- Apareça amanhã. Começamos já com a formação. – dissera-lhe a entrevistadora com um sorriso. – O nosso dress-code é branco.
“Branco?..”, pensara.
No dia seguinte lá foi, vestido de branco. Foi recebido pelo chefe do departamento que o convidou para o pequeno-almoço.
Depois, tudo o que se lembra é de já estar lá dentro. Lá, no plástico.
Percebeu logo que ia ficar lá muito tempo. Aconchegou-se. Passou muito e muito tempo no escuro…
A luz, o voo, a queda…
Sentiu a água envolvê-lo. A dor nem chegou a mordê-lo. Não lhe entrou na cabeça. Consumiu-o imediatamente.
Enquanto se sentia efervescer no copo, pensou no primo, no amigo do primo, na alemã loura e na carrinha descapotável.
Sempre fora um Alka-Seltzer honesto.
Se não fosse morrer ali naquele momento, no dia seguinte não apareceria no trabalho de branco. Iria de amarelo, como o primo, que é suplemento de vitamina C.

Monday, September 17, 2007

As melhores fugas de sempre em Portugal.

No primeiro dia útil desde a entrada em vigor do Novo Código Penal, a suposta lista de criminosos que podiam vir para as ruas marcou a Actualidade. Por todo o lado era o pânico, e os mais sensacionalistas esfregaram as mãos.

No entanto, a RTP esteve em grande:
Decidiu ignorar o assunto e falou da transladação do corpo de Aquilino Ribeiro para o Panteão Nacional. E que grande marco da vida do escritor decidiram realçar?
A sua fuga à prisão em 1928, com uma serra escondida numa bôla e um charuto de oferta para o guarda.

Foi bom, mas tive pena do Álvaro Cunhal: afinal, no ano de 1960, ele fugiu da Prisão de Peniche utilizando como veículo de fuga o carro do Salazar.

Falecido em 1963, Aquilino terá assim visto o seu record da melhor fuga de sempre ser batido.

Monday, September 10, 2007

Casal McCann processado.

O Seguro privado de Saúde e Assistência Médica Médis vai processar o casal McCann. A razão é a semelhança fonética entre o nome do serviço e o da criança desaparecida, que no entanto, os responsáveis da marca deixam fora da questão...

O casal inglês defende-se: "seria como se uma publicação semanal decidisse processar todas as Marias do vosso país..."

Já agora:

"Querida Maria,

Ando a escrever posts de gosto discutivel no meu blog. Estarei grávido?"

Tuesday, September 4, 2007

Olhar.


Um homem cujo cérebro não consegue colocar no seu devido lugar os conteúdos do Mar, do Céu e da Terra, leu as 20.000 léguas submarinas em jovem e imaginou o Nautilus a navegar por entre planetas, vê aviões a brotar do chão e aldeias a adivinharem-se nas nuvens de uma tarde de Outono.

Será também um homem com muitos sonhos. De entre eles, o mais importante, aquele que o move na vida e que o faz superar-se, é ser o primeiro humano a chegar a Marte. Não percebe como nunca ninguém o fez… afinal, longe dos grandes projectos a dezenas de anos e de toda a ciência necessária, basta saber furar as ondas de qualquer praia e ter vontade de nadar até às estrelas.

Monday, September 3, 2007

Fonte de Saber.

Numa pesquisa sobre o turismo na Região Demarcada do Douro (a mais antiga do Mundo, com mais de 250 anos de existência), encontrei um site que pode dar muito jeito para as conversas de café.

Sem mais, apresento-vos uma útil ferramenta para o dia-a-dia:

http://www.portoxxi.com/entretenimento/curiosidades.php?pagina=2&tipo=Estatisticas

Com os melhores cumprimentos,
Jota

Wednesday, August 1, 2007

O fato.


"...foi então que decidi vestir o meu melhor fato. Aproximei-me do armário. Lá estava ele, por enquanto ainda a cheirar mais a naftalina do que a traças. O ar sério que guardo sempre escondido, que visto com o mesmo desconforto com que uso uma gravata num jantar formal."

Sabão


Wednesday, July 25, 2007

Desafio à lógica instituida.

Ocorreu-me:

Duas pessoas chegam a uma tasca onde se fazem meias-doses. Cada uma delas pede uma dose de febras.
- Lamento, mas já só temos uma de febras - diz o empregado, encolhendo os ombros.
Um dos clientes sorri:
- Faça assim: se dividir a dose ao meio, terá duas meias. Nós também não estamos com muita fome...
- Os senhores desculpem... - começa o patrão, preparando-se para uma afirmação fantástica - mas duas meias não são uma.


Este pequeno relato prova duas coisas:
- Que se pode escrever um conto baseado nas palavras "febras" e "tasca".
- Que, perante a veracidade da afirmação do patrão, as leis da Física deveriam ser revistas à luz da típica tasca lisboeta.




Tuesday, July 24, 2007

Eu quero ser redactor de destacáveis!

Há dias, cruzei-me com uma "oferta" na assinatura de uma revista semanal séria. Nas páginas centrais, onde outras publicações colocam fotografias discutiveis, aquela mostrou-se uma adepta do clássico ao não prescindir de um pequeno rectângulo de cartão.
Com uma letra diminuta, o cartão versava sobre o Mundo maravilhoso ao qual acediam todos aqueles que, num momento de brilhantismo, assinavam a dita revista.

Há sempre algo que os meus olhos buscam nestes momentos: as ofertas.
A "Visão" ofereceu durante muito tempo, com a sua assinatura, uma agenda de bolso, tipo calculadora-com-mais-botões. Eu, que nem adolescente era, achava aquilo o máximo.

Um dia, não sei porquê, apareceu-me uma coisa dessas lá em casa. Sem pilha (ela) e sem vida pessoal (eu), o objecto caiu primeiro em desuso e depois em desgraça até ao esquecimento.

Excitante é o texto que oficializa o momento da assinatura:

"SIM, desejo receber em minha casa a assinatura da revista X, válida para doze meses. Não enviarei todo o dinheiro agora, porque tenho a possibilidade de pagar em em suaves prestações. Receberei também a colecção "Civilização Egipcia" e como oferta, o meu busto de Tutankamon, em verdadeiro plástico Chinês."

Fora o plástico chinês, tudo o resto está próximo da realidade. Aliás, este é um texto que pouco varia ao longo dos anos, com as escassas alterações a serem devidas ao "stock limitado" da dita "oferta".

O hipnotismo destes textos é incrivel. Em vez de um "Sim" como resposta à pergunta "Deseja assinar a revista?", estes génios põem toda uma frase (enorme) de louvor à publicação e seus apêndices.

Mais adequada seria talvez:

"SIM, desejo assinar a vossa revista. Como não tenho outro remédio, enviem-me também a merda da colecção sem qualquer rigor cientifico que vocês oferecem com essa porra. Aproveitarei a colecção para encher as prateleiras vazias da minha sala e assim ficar com uma casa tão pedante quanto eu. Mas bom mesmo seria se enfiassem a "reliquia" por onde o Sol não brilha."

Talvez por isso não seja eu a escrevê-los. Isso caberá possivelmente a um velho de barba grisalha, mais maduro e ciente do seu poder de colocar palavras na boca dos outros. Para ele bastaria:

"SIM, desejo adorar a quem escreveu este texto. Não enviarei dinheiro agora, apenas o meu amor servil de discipulo."

Digam-me que isto é uma montagem...
Quem é que me pôs à frente do blogue a estas horas?

Friday, July 20, 2007

10 razões para visitar o Aquário Vasco da Gama em vez do Oceanário.

1 - Um tem uma lula gigante; o outro tem uma foca chamada Eusébio.

2 - Só fui a um deles quando era criança.

3 - Ambos estão à beira-Tejo, mas enquanto o Oceanário pisca o olho ao Trancão, o Aquário tem o glamour da Ribeira da Cruz Quebrada.

4 - Qual deles tem mais tascas ao lado? A resposta é só uma.

5 - Os sites de apresentação:




Porque um querubim com os dentes tortos derrete muito mais corações do que um choco.

6 - A própria gestão da área circundante: no Dafundo, Vasco da Gama é um Aquário; no Parque das Nações é um Centro Comercial.

7 - Tudo muito bonito, natureza e tal. Mas em qual deles é que se pode dar de comer aos peixinhos da entrada?

8 - As siglas: AVG é o nome de um Antivirus de origem portuguesa, útil ferramenta para a protecção do sistema informático, com o bónus de ser de producção nacional; OLx (Oceanário de Lisboa) significa também Online Exchange, o site onde foi colocado para venda o bebé de Almargem do Bispo.

9 - O Oceanário tem o "Clube do Oceanário"; o Aquário tem um "Clube de Amigos".

10 - A força da marca e o eficiente Custo por Mil Contactos da sua comunicação: um tem de avançar com enormes projectos de parceria com canais estrangeiros, alienar activos (soltar Mantas Gigantes no Oceano); o outro é referido todos os dias na rádio, por alturas da hora de ponta (sentido Lisboa - Cascais).

Monday, June 25, 2007

3+1 = (4/2)^2

A soma do primeiro número primo com o primeiro número impar é igual à metade do resultado elevada à potência dele mesmo dividida pelo primeiro número par inteiro superior a zero.

Tuesday, June 5, 2007

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Todos os dias, quando volto de qualquer sítio onde vá mais por ter do que por querer, volto pela auto-estrada. Antes era diferente, deixava-me ir tranquilamente pela marginal, ou talvez não tão tranquilamente, mas marginal sempre. Por motivo nenhum, simplesmente era assim.

De há uns meses para cá que sinto pressa, e na pressa meto-me no deitado bicho cinzento que não serpenteia. Disse por pressa, mas acho que essa fase já passou, e está agora mais no automatismo. Quando volto pelo mar é mau sinal, ou simplesmente sinal de que algo em mim precisa de ver mais do que rails e faróis de carros. O mar aparece-me assim nos espaços entre carros da hora-de-ponta, azul e da cor do Sol.

Ontem senti o apelo do mar. Não senti necessidade nenhuma da minha parte, mas apeteceu-me simplesmente completar o dia olhando para ele. Era tarde e não podia parar, apertar-lhe a mão ("andam a tirar-me tempo de ti"), dizer-lhe qualquer coisa e ele a mim.

Pus o The Field a tocar, com a música que me disse uma voz ser do Sol.

Lembrei-me e sorri da incongruência de ser eu e evoluir sendo eu: o miúdo que aos 10 anos adorava a praia, aos 14 fugia dela, e aos 15 não tirava a tshirt, apaixonou-se platónica e lentamente pelo mar aos 16 e aos 22 chorava de saudades dele e só dele... debruçava-me sempre do mesmo parapeito, onde se via o fim da cidade que era demasiado grande, e quase tentava adivinhar as ondas por detrás dos 650kms de montes à minha frente.

Todos os dias fazia isto, de todas as vezes que o sol se pôs eu impunha-me caminhar sozinho e vê-lo pousar no mar, como se não o pudesse fazer sem mim, como se eu o pudesse ver a ele.
O Sol foi o meu primeiro filho, que não adormecia sem que eu o visse deitar-se, sem que eu lhe apagasse a luz e lhe desse as boas noites.

Ontem o apelo do mar foi um bocado assim... chamou-me o lado paternal, queria ir deitar-se, queria ver-me. Não lhe expliquei que ao contrário do sol ele não dorme nunca. Há sempre costas para tocar, navios para levar a casa...

A hora de ponta tirou-me dele, afastou-me do abraço que lhe queria ter dado, da explicação que lhe era devida, porque um pai sussurra sempre uma resposta a um filho.

Olhei para ele até a última curva nos deixar de costas voltadas, cegos os dois um para o outro. Nesse momento ele adormeceu para mim e eu para ele.

Ele foi entregar os seus marinheiros, as suas tempestades, as chuvas que caem em ninguém.
Eu tive de resistir para não gritar "estou aqui!" ao dedo de azul que vejo entre prédios.

Sunday, May 27, 2007

Guardador de sapatos

Hoje, talvez porque me doessem os pés ou o sono que me dão os dias cinzentos, voltei a entrar na sapataria inexistente. Ao atravessar o limiar da porta, veio a senhora de sempre avisar-me que "se precisar de ajuda é só chamar".

Agradeci, e fui ver o que tinham exposto pela loja. Assim andei um bocado: vi sapatos para correr, para saltar, para ginástica, para ténis, para basket, para andar. Não, não era mesmo nada daquilo.

Chamei a senhora, ao que ela acudiu imediatamente com um sorridente "em que posso ajudar?"

Expliquei-lhe que achava todos aqueles sapatos muito bonitos, que a loja estava muito bem, mas que não era nada daquilo que eu procurava. Eu já tinha sapatos para tudo aquilo, e fora os guardados para os dias de sorrisos educadamente medidos e os de casamento, um par bastava-me. Com um total de três pares tinha conseguido fazer a festa nos últimos tempos.

Ela olhou-me com um ar meio expectante, calculei eu que por não saber então que me faltava.

Expliquei-lhe que andava à procura de mais sapatos para guardar. Que há muito que não guardava nenhuns e andava a fazer-me falta, não por qualquer situação em particular, mas pela sensação de vazio que sentia quando atravessava o sitio onde normalmente os guardo.

Ela voltou a pôr o seu ar profissional e guiou-me até uma outra sala.

Escolhi o par que mais me agradava. Outros se lhe seguirão.

Tuesday, May 8, 2007

Directamente da vida intima.

Nada de grandes verdades que alteram o movimento de rotação do mundo e derretem os pólos só com palavras.
Muito menos um daqueles enormes pensamentos que procuram alterar a forma de ver o mundo de todos aqueles que os lêem. Nada disso.

Só um pequeno desabafo:
Hoje ligaram-me de manhã. Uma entrevista, para um emprego. A minha primeira entrevista para um meu possivel primeiro emprego. Isto significa que finalmente alguém leu o Curriculum que resume as coisas que fiz pontecialmente interessantes para o público em geral. Esta pessoa não queria saber se eu subia às árvores em miúdo, se eu já andei de skate e se sim, quantas quedas dei.

Esta pessoa queria saber se daquela folha saltava algo que dissesse:
"Se investires dinheiro em mim, dar-te-ei mais a ganhar."

(Já cheira a grande verdade, a enorme pensamento.)
Só quero dizer isto:

Fica confirmado, a partir de hoje, que para além de bom em carne e osso, também sou bom no papel, mesmo que não tenha fotografia.

E para mim, isso chega e sobra para me deixar realizado a uma segunda-feira.

Thursday, April 26, 2007

Um retrato.

As ruas são o seu principal passatempo. Passeia-se por elas e observa a toda a sua volta. Sempre viveu na cidade, e se pensou por um momento na possibilidade de ir viver onde se vive o mar, ou o campo ou a serra, passou-lhe o pensamento num momento também.

Acha que a humanidade é a prova viva da existência de Deus, pois ambos são exactamente a mesma coisa. O Homem criou monstros que verga ao seu poder de Pai e Criador, habita neles, voa neles.

Gosta de prédios. Nos seus passeios pelas ruas observa-os, fala com eles, segreda-lhes ao ouvido que eles não têm. Diz-lhes que os ama, que os quer, que são eles que fazem a cidade ser assim deliciosamente castradora, no seu abraço de que ele não consegue fugir.

Encantam-no sobretudo os prédios que se escondem por detrás das estruturas metálicas. Os andaimes, expressão que ele odeia por ser simplista, suja. Secretamente chama-lhe roupas.

À noite, quando os carros se reduzem a massas rápidas e sussurrantes que passam sem olhar, ele pode ficar a sós com os edificios que lhe prenderam o olhar e lhe roubaram os suspiros durante o dia.

Escolhe os que têm estruturas exteriores e sobe-as. Consegue fazê-lo com o silêncio de quem ama em segredo durante a noite. Lá no alto sente-se seguro nos braços dos gigantes e descansa como não pode durante o dia. Volta a repetir as palavras que disse à luz do Sol e sente no vento frio das ruas iluminadas por candeeiros dispersos o sorriso do seu amado.

Uma mulher, um homem, são objectos demasiado pequenos para poderem ser objectos de amor. À grandeza do Amor, ele celebra-a assim, à frente da janela, à frente do vidro que o afastaria do Mundo.

Assim, escondido do lado onde cai a sombra durante o dia, respira fundo e sente-se feliz nos braços do monstro de cimento, que sem pernas não pode fugir.

Este grito não é de guerra (esboço e súmula)

Esboço:

"Andam a encher-me os ouvidos de ti. Dizem-me que fizeste o mesmo que os outros. Não sei, talvez te guarde um "também tu" como o personagem antes de morrer.
Há voltas ao Mundo nos pés e nas mãos que são um autêntico desperdicio. Fazem lembrar o Shoko Azahara (que agora notei que tem um nome que podia ser uma marca de chocolates), acho que era assim o nome dele, que era gordo, cabeludo, e barbudo e dizia que em meditação levitava até à Lua. No entanto nunca saía da cela da prisão, a ela confinado por ter morto dezenas de pessoas com gás.
Mesmo pessoas sem poderes meditativos fazem voltas ao mundo e voltam iguais, sem se terem movido. E continuam sem compreender a essência de uma conversa entre dois desconhecidos.

Ver tudo do Mundo inteiro e voltar sem um sorriso para um estranho não é de gente humana, mas sim do bicho-Homem. Essas pessoas são as mesmas que vêem nas prisões um depósito de massa que convem esquecer. Não se pode dar calor a quem falha, a quem vai voltar a falhar? Não se pode ter um gesto de pessoa?
Uma temporada no sofá é um analgésico poderoso e, a meu ver, insuficientemente receitado.

Mas e tu?
E se me desiludires? Se me tiveres mentido assim, rido de mim no silêncio dos teus pensamentos, na lingua que é só tua, como eu tenho a minha, que só o que me anima compreende?
Será então tão minha a culpa quanto tua, terei esbanjado o sorriso guardado em ti.
Mas nada diz que só guardo um.

Súmula:

No meio disto tudo, talvez ele tenha razão, afinal.
Se calhar deviamos ser todos perfeitos.
Ao fim de 10 anos o imperfeito seria exótico. 30 anos depois seria finalmente belo."

Sabão.

Friday, April 20, 2007

Teoria das Idades - a recuperação.

Sempre achei curioso o facto de o meu aniversário, tal como todos os outros dias do mês, se movimentar ao mesmo ritmo ao longo da semana. Este ano calhou numa sexta, para o ano calha num sábado, e assim por diante. Nos anos bissextos, o dia da semana não muda.

É claro que isto tem uma simples explicação matemática, tal como é claro que este dilema é daquele género que assalta qualquer pessoa que começa a usar minimamente os neurónios de uma forma inventiva, o que acontece ainda em criança.

Mas esqueçamos isso.

A ideia é passar a contar a idade das pessoas pelo movimento dos dias do seu aniversário.

Um exemplo:
A criança X (raio de nome para uma criança) nasceu na quinta-feira, 19 de Maio de 2005.
O primeiro aniversário da criança X será na sexta-feira, 19 de Maio de 2006.
Assim, em vez de dizermos "X faz um ano, que lindo.", dizemos "X tem um dia, que amoroso."
À luz desta nova abordagem, o termo aniversário perderá o sentido, uma vez que não é de anos que estamos a falar. Quanto muito poderá falar-se de "regresso ao dia de nascimento" o que dá até um ar um pouco divino à coisa.

A vida passará então a ser contada não em anos, mas em dias ou semanas.

Se as vantagens podem não ser obvias considerando crianças, tomemos em linha de conta alguns exemplos:

- O Francisquinho tem uma semana.
- Um cantora pop tem três semanas (e não mais)
- A avó faz amanhã dois meses. (nas avós é permitido o recurso aos meses, já que podem não se sentir confortáveis com os números grandes, que poderiam ser interpretados como sinónimos de velhice).

Uma vez que a sociedade ocidental gosta de números ditos "redondos", a importância dos aniversários clássicos (16, 18, 21, 50, 100) seria transferida para outras datas na nova nomenclatura:

- 1, 2, 3 semanas.
- 1, 2, 3... meses.

Isto acarretará, necessariamente, alterações à sociedade de consumo, uma vez que o ritmo de compra se modificará mediante a relativização da importância das anteriores idades-chave.

Os anos bissextos, ao manterem a posição das datas nas semanas na maior parte dos dias do ano, deverão ser considerados uma benesse da ciência no sentido da eterna juventude. A fonte está claramente seca, mas como se pode ver, há pequenas consolações.

A esfera de influência, o raio de acção desta nova abordagem, chega também a outras àreas, como por exemplo, o cinema.

O filme 9 semanas e meia, protagonizado por Kim basinger e Mickey Rourke em 1986 é disso o exemplo mais flagrante.
Repare-se:
Nove semanas e meia correspondem a 66.5 dias. Procedemos ao arredondamento para 67 dias.

Contemos agora com os anos bissextos:
O primeiro que temos antes de 1986 foi 1984. Aos 65 dias, portanto.

65/4 é aproximadamente igual a 16. Ou seja, ao longo das nove semanas e meia, houve 16 anos bissextos.

Portanto, devemos acrescentar 16 anos aos 67 do titulo do filme, ou seja, 83.

1986 - 83 = 1903

Factos relevantes que tiveram lugar em 1903:
O primeiro espectáculo de moda americano (Nova Iorque)
Foi comercializado o primeiro pacote de férias na neve (Adelboden - Suiça)
O primeiro torneio internacional de Ténis na Hungria (ganho pelo britânico J. G Ritchie)

A relevância de todos estes eventos, aos quais o filme faz uma velada homenagem, ajudam a explicar o porquê da falta de qualidade a variadissimos niveis, o que faz com que o filme seja apenas recordado por causa de um senhor barbudo que canta uma música sobre chapéus.

E pouco mais.

(Fora anos bissextos, o senhor barbudo afirma ter cerca de oito semanas e seis dias. A caminho das nove semanas e meia, portanto..)

Thursday, April 19, 2007

Hipotéticamente político.

Se eu tivesse começado um blog há pouco, recusar-me-ia a comentar assuntos claramente políticos.
Se eu fosse essa pessoa, não gostaria de ter nada de "claro" no meu blog, porque o "claro" seria de uma análise demasiadamente imediata para o meu gosto.

Por outro lado;

Se por um qualquer acaso eu tivesse ouvido que numa operação policial se prenderam dezenas de "alegados" (sempre "alegados" - a constituição a isso obriga) membros de movimentos de extrema-direita,
Se, nessa circunstância, eu tivesse ouvido na rádio o líder do auto-proclamado partido de extrema-direita português dizer, em voz lamuriosa, algo deste género:

"Já tomei conhecimento do que se está a passar... a mim parece-me um caso claro de perseguição política..."

Se, este homem fosse o mesmo que aquele que num grande cartaz numa ainda maior rotunda reclamava a expulsão de imigrantes;
Se o partido por ele dirigido contasse entre as suas propostas de acção com coisas como saneamento político, étnico, etc..

Se isso acontecesse, e só se isso acontecesse,
Então sim, eu poderia escrever isto:

Se o ridiculo matasse...

Wednesday, April 18, 2007

Paralela da Avenida (por Sabão)

"Dá gosto ver-te essa cara, esse sorriso espontâneo que te saltou apenas de uma pergunta. Fica-te bem o ar sonhador, no meio dos carros todos, mais arrumados hoje do que em qualquer outro dia.

Valeu a pena passar por ali, apertar-te a mão, conversar contigo e ver-te assim mais novo do que diferente.

Ela fica-te bem nos olhos, nos gestos, no brilho.

Um abraço e boa sorte.
Sabão"

Tuesday, April 17, 2007

A Sociedade da Informação


Não me levem a mal, eu gosto da sociedade da Informação. Gosto. Mas ela às vezes presenteia-me com dados que eu, realmente, dispensava.
Este senhor decidiu dar uma belissima entrevista a um semanário de desportos motorizados. Teve uma grande atitude. Como ele diz e muito bem, na última resposta que dá na entrevista "(os jornalistas) quando não me fazem perguntas destas, são porreiros".

Tenho a certeza que o senhor também é um tipo porreiro, mas permito-me confessar que fico contente por não termos sido vizinhos nos 70's.

Friday, April 13, 2007

O melhor de todos os bigodes.

Aquele homem, que me entrava pela casa durante a manhã, pela janela dos fundos (a televisiva);

o mesmo homem que pôs pais e filhos a deslizarem pratos sobre uma toalha aos quadrados (tudo deliciosamente plástico), nas manhãs de sábado ou domingo, que na altura ainda deviam (deviam!) ter desenhos animados;

o homem a quem todos os júris de um festival nacional da canção chamaram Zé Luís tantas vezes como as capitais de distrito (e tantas foram as vezes que ele disse "Manuel Luís... Manuel Luís...")

esse homem...

Um dia liguei a televisão e o bigode já não estava lá... foi tema para uma manhã inteira de conversas, e músicas pela banda do programa;

e esse homem deixou de ser esse homem para mim;

ele fica mais novo a cada dia que passa...

era o bigode... o bigode era o parasita dele.. não era um bigode, eram umas asas enormes num bicho minúsculo..

é isso que é um bigode.. não é?

um bigode ataca a cara de alguns homens... às vezes fica durante anos...

é todo um segredo do universo masculino agora revelado: essas idas secretas ao médico ("doutor, o que é isto que tenho na cara??.. isto respira, movimenta-se!".. - os ares alarmados, os choros de criança em homens crescidos, de pânico refugiado na segurança do segredo profissional do homem-medicina), sob a capa de uma visita a uma amante invariavelmente secreta, por sua vez escondida atrás de uma desculpa qualquer ouvida há anos num qualquer programa ficção nacional para toda a familia;

ele fica grisalho, balança mas não cai...

e os médicos fazem um ar assustado...

à segunda consulta já há um espirita (olha a concordância, essa gramática) ao lado do médico, uma mesa de pé de galo no lugar da marquesa, e velas sem sombra de jantar romântico...

e o espirita chama o espiga-rodrigo, que vem da cave lá mesmo do fundo..

que aparece sorrindo aos pulinhos, com ar de criança a quem vão oferecer um doce...

o espirita (ok, o médium) diz-lhe com maus modos, estendendo-lhe o parasita arrancado à força da face do doente:

"Toma.. és o único gajo que conheço que gosta disto.."

e o diabo vai-se, porque guarda os bigodes como borboletas, num dos enormes quadros da vida selvagem que lhe enchem as paredes da sala-de-estar

e paga sempre o mesmo preço: tira uns quantos anos de cima das costas do parasitado...


Olhando agora para o outro senhor, porque ele ainda não perdeu o hábito de aparecer pela mesma janela de sempre, às mesmas horas de sempre, compreendo: o bigode foi para o diabo como a mais bela das borboletas, que lhe enche o coração de belos pensamentos, e o faz esquecer-se até do aroma fétido dos infernos (elimina o cheiro a enxofre como as pastilhas que tiram o calcário das máquinas - mesmo nos locais de suplicio eterno mais entranhado)

de cada vez que olha para aquele bigode, faz rodar para a esquerda os ponteiros do relógio da idade daquele que o soube alimentar para ficar assim belo, forte e robusto, digno de terminar em apoteose silenciosa na moldura comprada por Belzebu numa loja especializada..

Thursday, April 12, 2007

O arrastar da cadeira

Porque agora somos dois a guardar o Sol. Porque quando ele se deita contigo, acorda ao meu lado, lá à frente, no fim da rua.

Porque de todas as razões que eu tive para fazer isto, esta me pareceu a única que realmente justificava o acto de o fazer.

Talvez por ser simples, por me afastar de justificações complexas.

Esta é a garrafa de espumante que se abriu, porque enquanto estiveres aí, e eu aqui, o Sol vai ficar sempre a pairar sobre o nosso Mundo.

Ganhei o hábito de silenciosamente te desejar um bom dia quando me deito.