Thursday, March 6, 2008

traição ou o arranjo


-...e então eu disse-lhe que não, que estava enganado, que não tinha nada a ver, e que... - deteve-se. - Olha, tu estás a ouvir?
Encolhi os ombros. Não, não estava a ouvir.
- O que é que tens? - perguntou.
- Tira os óculos, se fazes favor.
- Porquê?... - pareceu hesitar. - Vais-me dizer que és daqueles que não consegue falar com uma pessoa de óculos escuros?
- Tira os óculos. Quero só ver uma coisa.
Eram enormes, armação em plástico branco, daqueles que foram novidade ao mesmo tempo que a mini-saia e que por qualquer motivo decidiram voltar para me atormentar. Vi-a pousá-los na mesa e olhei-a. Era exactamente como eu pensava: da cana do nariz para cima, da testa para baixo, praticamente de um lado ao outro da cara, havia um enorme vazio. Mais do que enorme, um vazio total. Conseguia ver-lhe de frente o cabelo que taparia a parte de trás da cabeça.
- Posso voltar a pô-los?.. - notava-se-lhe na voz o orgulho ferido.
- Podes. - tentei disfarçar um riso de satisfação tipo "ah, eu sabia...". - Então e isso foi porquê, conta lá?
- Pois, tive um pequeno problema com a cara e tive de a levar à oficina. - tinha retomado a pose da segurança despreocupada. - Está pronta na sexta.
- Ah... é que eu pensava que as pessoas quando usavam óculos desses era porque tinham deixado a cara em casa, num grande copo com água, como as avós faziam com as dentaduras...
Encolheu os ombros.
- Não sejas parvo. Mas olha, como eu estava a dizer, não era nada do que ele pensava e...

1 comment:

Ninguém said...

Terá sido mesmo só a cara que ela deixou a arranjar? Ou terá deixado algo "de molho" em casa, enquanto a cara arranjava?!