Friday, October 31, 2008

uma espera

Desde adolescente que tinha deixado o hábito de usar relógio. A partir do momento em que saia da casa que partilhava sozinho que o tempo de todos os seus gestos era marcado pelos outros: “pago o café quando o senhor que pediu para lhe desbloquearem a máquina receber o troco do maço de tabaco”, “atravesso a rua ao primeiro sinal verde depois da rapariga de verde entrar no autocarro que parou agora”.
Por vezes uma indecisão da parte da outra pessoa obrigava-o a demorar-se um pouco mais, mas nunca se impacientava. Uma espera era uma oportunidade para observar à sua volta, para descobrir algo novo no prédio da frente, um outro risco no carro vermelho estacionado ali perto.
Naquela tarde, tomava o café de sempre num passeio anónimo, escolhendo nos passos de alguém o momento de sair dali. Escolheu a rapariga que estava do outro lado da rua, tomando um café exactamente igual ao dele enquanto o olhava bem nos olhos. Quando deu por ele, o Sol começava já a descer no horizonte atrás dos prédios e os ponteiros dos relógios já tinham entontecido de voltas. Mas a decisão estava tomada. Ela olhava-o do outro passeio, parecendo tão vazia de impaciência quanto ele. Sorriam um para o outro, até ao momento em que o rapaz da mochila azul passou por trás dela e, sem querer, sem desconfiar por um segundo que fosse, fez com que duas vidas nascessem de novo.

5 comments:

Devaneante said...

Gostei! Um conto interessante!

A meio do conto ainda imaginei um final diferente... mas ainda bem que me enganei!...

rosas said...

de.li.ci.ous.

(:

Ricardo said...

Chaval, eu sei que já o disse, mas tu és grande. Gostei desta bonita história de amor casual, inocente e bonito.
Continua a dar-lhe.

Post-It said...

:)

RC said...

Eu uso relógio no pulso direito. Que história daria este facto?