Thursday, November 27, 2008
Wednesday, November 26, 2008
Tuesday, November 25, 2008
Tuesday, November 18, 2008
janelas são bocas
O menino caminhava pelas ruas e ouvia vozes. Caminhava pela mão da mãe, e ouvia vozes que ela não ouvia. Vezes sem conta o menino lhe puxava o braço e chamava por ela, mas ela nunca o ouvia, por ir tão alto.
Eram as vozes das janelas dos prédios que o menino ouvia, a contarem as suas histórias umas às outras, e a quem mais as quisesse ouvir. Quanto mais aberta estava, mais alto a janela falava, porque janelas são bocas.
Ouvia todas as histórias e guardava-as com todo o cuidado. Guardava-as nos bolsos, entre todas as coisas que os meninos são capazes de guardar nos bolsos, ou simplesmente levava-as para casa, embrulhadas nas mãos cobertas de terra ("limpa as mãos, Francisco... não te disse para não ires jogar para o meio da terra?").
Quando regressava a casa, ia direito para o quarto ("vai fazer os deveres, Francisco."), fechava a porta e chegava-se à janela. À sua própria janela, a que falava para ele, a janela do quarto do menino. Ajoelhava-se junto à moldura de Mundo e desembrulhava a história que tinha conseguido levar intacta até casa. Depois, as histórias começavam a contar-se à janela, que as ouvia com um sorriso.
A janela do quarto do menino era uma janela diferente: tinha sido montada ao contrário, muitos anos antes do Francisco entrar naquele quarto pela primeira vez. Aterrorizada, tinha chamado o carpinteiro até ficar sem voz, tentado explicar-lhe o equivoco. Mas o carpinteiro não ouvia vozes, muito menos janelas.
Todos os dias o menino levava uma história nova à sua janela que vivia de costas para o Mundo: as janelas de um último andar que não podiam ser mais diferentes (uma tinha vertigens e vivia sempre em pânico, a outra sonhava um dia poder voar); a janela de um rés-do-chão que por ter o trinco estragado havia anos não se podia calar e que por isso tinha começado a contar alto (já tinha acabado os números, as letras e contava agora em nomes de pessoas de um país enorme, muito para lá de todos os prédios da rua).
No final, a janela aplaudia, o menino agradecia, e a história contada pedia licença para se retirar. A maior parte das histórias voltaria um dia mais tarde, para fazer companhia à janela cega.
Mas um dia, tinha o menino saído, a janela começou a chorar a meio da conversa com a história da clarabóia que era solista no coro do telhado, exactamente no mesmo momento em que a mão da mãe do Francisco começou a jorrar sangue pelo passeio, criando pequenas poças vermelhas.
Uma pedra, nascida a voar não se sabia de onde, tinha sido atirada à janela. A janela ficou ilesa, mas o menino, que se encontrava a ruas e ruas de distância, espalhou-se pelo chão em mil pedaços de cristal.
Durante os anos seguintes, viria gente de longe para admirar o fenómeno do quarto virado para o Sol que estava sempre escuro, apesar da enorme janela completamente aberta.
Ou então não viria ninguém, e horas depois de serem varridos os últimos estilhaços de criança do passeio, a janela deixar-se-ia cair de costas, vendo finalmente passar por breves segundos o Mundo que um carpinteiro surdo lhe tinha negado.
Eram as vozes das janelas dos prédios que o menino ouvia, a contarem as suas histórias umas às outras, e a quem mais as quisesse ouvir. Quanto mais aberta estava, mais alto a janela falava, porque janelas são bocas.
Ouvia todas as histórias e guardava-as com todo o cuidado. Guardava-as nos bolsos, entre todas as coisas que os meninos são capazes de guardar nos bolsos, ou simplesmente levava-as para casa, embrulhadas nas mãos cobertas de terra ("limpa as mãos, Francisco... não te disse para não ires jogar para o meio da terra?").
Quando regressava a casa, ia direito para o quarto ("vai fazer os deveres, Francisco."), fechava a porta e chegava-se à janela. À sua própria janela, a que falava para ele, a janela do quarto do menino. Ajoelhava-se junto à moldura de Mundo e desembrulhava a história que tinha conseguido levar intacta até casa. Depois, as histórias começavam a contar-se à janela, que as ouvia com um sorriso.
A janela do quarto do menino era uma janela diferente: tinha sido montada ao contrário, muitos anos antes do Francisco entrar naquele quarto pela primeira vez. Aterrorizada, tinha chamado o carpinteiro até ficar sem voz, tentado explicar-lhe o equivoco. Mas o carpinteiro não ouvia vozes, muito menos janelas.
Todos os dias o menino levava uma história nova à sua janela que vivia de costas para o Mundo: as janelas de um último andar que não podiam ser mais diferentes (uma tinha vertigens e vivia sempre em pânico, a outra sonhava um dia poder voar); a janela de um rés-do-chão que por ter o trinco estragado havia anos não se podia calar e que por isso tinha começado a contar alto (já tinha acabado os números, as letras e contava agora em nomes de pessoas de um país enorme, muito para lá de todos os prédios da rua).
No final, a janela aplaudia, o menino agradecia, e a história contada pedia licença para se retirar. A maior parte das histórias voltaria um dia mais tarde, para fazer companhia à janela cega.
Mas um dia, tinha o menino saído, a janela começou a chorar a meio da conversa com a história da clarabóia que era solista no coro do telhado, exactamente no mesmo momento em que a mão da mãe do Francisco começou a jorrar sangue pelo passeio, criando pequenas poças vermelhas.
Uma pedra, nascida a voar não se sabia de onde, tinha sido atirada à janela. A janela ficou ilesa, mas o menino, que se encontrava a ruas e ruas de distância, espalhou-se pelo chão em mil pedaços de cristal.
Durante os anos seguintes, viria gente de longe para admirar o fenómeno do quarto virado para o Sol que estava sempre escuro, apesar da enorme janela completamente aberta.
Ou então não viria ninguém, e horas depois de serem varridos os últimos estilhaços de criança do passeio, a janela deixar-se-ia cair de costas, vendo finalmente passar por breves segundos o Mundo que um carpinteiro surdo lhe tinha negado.
Monday, November 17, 2008
fatalidade urbana
Impecavelmente vestido, dirigia-se para uma festa quando a tragédia aconteceu: atropelado por um carro em marcha-atrás, o vampiro não mais se levantaria. O condutor, visivelmente consternado, alegaria posteriormente à policia ter olhado pelo espelho no momento da manobra e não ter visto ninguém.
Thursday, November 13, 2008
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