Wednesday, December 5, 2007

A viagem

Ela chamava-se Iris, dele não me lembro do nome.
Iris era muito bonita, tinha um verde que pousava em tudo o que a atraía. Estava sempre a observar, parecia ter curiosidade por tudo e estava permanentemente atenta ao que se passava à sua volta.
Ele era mais escuro, de um negro profundo. Falava mais do que ela, mas tinha menos calor no que dizia. Era no entanto de trato fácil. Quando falava olhava directamente para o interlocutor com um olhar que trespassava. Parecia estar sempre a colocar silenciosamente uma mesma questão esperando que a adivinhássemos.
Durante o tempo que estive com eles, ninguém tentou adivinhar que pergunta seria. Eu também não.
Iris e Ele formavam um casal um pouco estranho, na verdade: cada um sempre nos seus longos silêncios, trocando um olhar significativamente sorridente de vez em quando. Tinham uma curiosidade devoradora por cada rua pela qual passavamos. Nenhum deles conhecia a cidade.
Mostrei-lhes todos os pontos turisticos habituais, os monumentos, os jardins. podia ter-lhes mostrado mais, mas não aguentava os constantes olhares de toda a gente à nossa volta.
Mantive sempre a calma. Da primeira vez que me preparava para gritar com uma mulherzinha que ria e apontava para eles parei para pensar: a verdade é que eu também nunca tinha visto.
Iris sorria com o seu verde e dizia-me:
- Não te rales... eles olham porque nunca antes tinham usado os deles.

Iris e Ele eram ambos globos óculares. Olhos.

Nunca os vi piscar, a nenhum deles. Mas de cada vez que passávamos por uma fonte tinhamos de parar para que se refrescassem um pouco.
Ele chamava a Iris "minha córneazinha"; Iris tratava-o simplesmente pelo nome, o mesmo de que agora não me lembro.

Quando mais tarde nos despedimos, e eles seguiram viagem, agradeceram e enalteceram o meu desempenho como cícerone. Tinham aprendido muito sobre o país, as pessoas, a história, tudo o que era identidade cultural. Agradeci-lhes e fiquei a ver o comboio partir, levando-os para outras paragens, provavelmente com a janela do compartimento fechada, porque nenhum deles gostava de vento.

Lembrei-me para comigo do que tinha aprendido com eles: um idioma diferente, uma forma nova de observar o mundo. Mas tinha sido ao vê-los à mesa na nossa primeira refeição que mais sorrí durante esses dias. Eu que sempre tinha sido um céptico em relação a isso, pude ver que afinal é mesmo verdade:

Os olhos também comem.

1 comment:

Nafr said...

:)

olhavam para ti com certeza porque estavas em terra de cegos.