Saturday, December 1, 2007

3. Amargo

A porta da sala está sempre fechada, como as restantes portas da casa. Lá dentro, todos os móveis estão cobertos por enormes lençóis brancos que os protegem do pó e dos olhares de ninguém. É também a única divisão que recebe a luz do Sol.
É no quarto que passa mais tempo: uma cama, uma pequena secretária, um baú escuro.
O resto da casa é um enorme corredor desigual, com portas de madeira num dos lados apenas.
É uma casa feita de arrecadações.
Nos raros dias em que recebe uma pessoa, tira os lençóis dos móveis e estes mostram-se no esplendor imaculado das coisas escondidas que ninguém usa. Respiram fundo e aguçam o ouvido, ansiando pelo fim do silêncio entre as paredes sempre caladas.
Entre as duas pessoas trocam-se palavras, histórias. Ele tem um fascínio pelas histórias dos outros, coloca os cotovelos na mesa, deixa os dedos das mãos abraçarem-se, apoia o queixo nos polegares e fica assim a ouvir.
A um jantar segue-se outro, e outro. As histórias começam a repetir-se até o seu silêncio se tornar pesado, contagiante, inevitável para o convidado.
O dia chega em que os móveis são novamente cobertos com o lençol branco e começam a sussurrar todas as histórias que ouviram para delas não se esquecerem durante o silêncio. Nunca choram quando sussurrar não resulta.
Às vezes ele interroga-se sobre o seu enorme corredor. Constrói-o na sua semi-consciência, talvez com os olhos brilhantes, ou revirados ou simplesmente fechados. Sempre no dia seguinte ao último jantar a dois. Dois metros e uma porta de cada vez.
De tempos em tempos, abre uma porta. Encontra uma pessoa com várias caras mas sempre um rosto inexpressivo, indiferente. É um corpo de pé, de olhos fixos na porta. Ambos trocam sorrisos e recordam os jantares que partilharam.
É ele que fala, quem ouve sorrí e deixa os dedos das mãos abraçarem-se.

1 comment:

. said...

acho que percebi pq disseste q ia gostar..